“Espaço | Matéria | ser” em Arquitectura

 

    “In memorable experiences of architecture, space matter and time fuse into one single dimension, into the basic substance of being, that penetrates the consciousness. We identify ourselves with this space, this place, this moment and these dimensions as they become ingredients of our very existence. Architecture is the art of mediation and reconciliation.”

 

- [ in The Eyes of the Skin by Juhani Pallasmaa]

 

    É na problemática subjacente à relação trinómica ‘espaço-matéria-Ser’ que reside o âmbito em que se insere a presente dissertação. No mesmo sentido, a nossa perspectiva considera o trabalho do arquitecto enquanto ‘artesão da matéria’ e preserva o intuito dessa prática de concepção espacial – arquitectura – que se baseia na análise do Ser para dar resposta às suas necessidades. Desta forma, importa ter presente que, tal como Tadao Ando, (arquitecto japonês), o havia já referido:

“A relação e o equilíbrio entre materialidade e espiritualidade são importantes para a arquitectura. Todos os grandes arquitectos exploraram esta questão.”

 

    Assim, no mesmo âmbito, aborda-se neste capítulo a definição de matéria para a ciência com o intuito de se comprovar que, antes de tudo, o Homem é constituído pelos mesmos agentes que constituem o seu Universo – o que por consequência acabará por nos remeter para uma prévia conclusão que atribui um sentido unificado face à sua existência e ao mundo que lhe é exterior. De acordo com a mesma premissa, o que se pretende é demonstrar que sendo o arquitecto consciente dessa realidade, poderá a sua prática profissional evoluir num sentido inovador que prevê no desafio espacial uma repercussão materializada das condições físicas e psíquicas do Ser.

 

    Nesta perspectiva inicia-se a abordagem remetendo a análise para questões circunscritas à ideia de matéria.  A ciência, aliada à física quântica, confirma que toda a matéria é constituída por um elemento primordial: o átomo, e que esse elemento, o átomo, está presente em tudo.

 

    Desde a antiguidade que se coloca a questão ontológica sobre a matéria, “Aristóteles acreditava que toda a matéria do Universo era constituída por quatro elementos fundamentais: terra, ar, fogo e água. Estes elementos sofriam o efeito de duas forças: a gravidade (tendência da terra e da água para descerem) e a volatilidade (tendência do ar e do fogo para subirem). Esta divisão do conteúdo do Universo em matéria e forças ainda hoje é utilizada. Aristóteles acreditava também que a matéria era contínua, ou seja, que se podia dividir um pedaço de matéria em bocadinhos cada vez mais pequenos, sem limite: nunca se chegava a um grão de matéria que não pudesse ser dividido mais uma vez. Alguns gregos, no entanto, como Demócrito, asseguravam que a matéria era granulosa e que tudo era constituído por grandes quantidades de várias espécies de átomos.”

 

    Esta busca incessante do saber o que nos rodeia, o que nos faz, qual o desígnio da vida, iniciada pelos pensadores da antiguidade, provaram uma lógica e racionalidade continua, ao longo de 2000 anos da história do homem. Na actualidade as revoluções no campo da Física Quântica, remetem-nos ao primeiro pensamento de Aristóteles, como expresso pelo Nobel da Física: “O físico Richard Feynman, do Instituto de Tecnologia da California, referiu que se houvesse uma declaração importante na história da ciência, essa seria: “Todas as coisas são feitas de átomos”.

 

    Seguindo a exploração da mesma ideia, referimos que, a indicação sugerida pela citação não se restringe apenas às coisas sólidas, como paredes, mesas e sofás mas também ao ar que está entre ambos.  “Assim que os físicos começaram a pesquisar nesta realidade subatómica, perceberam que ela não era apenas diferente daquilo que já conhecíamos, mas diferente de tudo o que alguma vez poderíamos imaginar. ‘Como o comportamento dos átomos é completamente diferente de qualquer experiência normal’, observou Richard Feynman, “é muito difícil habituarmo-nos a ele, e parece estranho e misterioso, tanto para os leigos como para os físicos experientes”.

 

    Tal fenómeno ocorre numa quantidade interminável que não poderemos imaginar e de igual modo, o Homem, o seu corpo físico, é constituído por esses mesmos átomos que não poderemos visualizar. Para se perceber uma ideia do átomo, “a estrutura básica de uma molécula é o átomo (de uma palavra latina que significa “massa pequena”). Uma molécula é simplesmente um conjunto de dois ou mais átomos que se articulam, funcionando de forma mais ou menos estável: junte-se dois átomos de hidrogénio a um de oxigénio e teremos uma molécula de água. Os químicos pensam mais em termos de moléculas do que de elementos, da mesma maneira que os escritores pensam em termos de palavras em vez de letras, e, por isso, preferem contar as moléculas, e elas são numerosas, para pôr a questão modestamente”.

 

    Esta relação molecular e constituição atómica da matéria torna-se apenas perceptível na sua escala, para usar uma analogia faço a seguinte questão, O que compõe uma biblioteca ? A primeira resposta será a que são os livros que compõe essa biblioteca, mas uma análise mais pormenorizada, reparamos que os livros são feitos de textos que transmitem uma ideia ou história, mas esses textos são formados por frases, que dão origem a um texto, mas para podermos compor frases, usamos as palavras, e o que seriam destas sem as letras, ou seja o elemento constituinte da, biblioteca > livros > textos > palavras, será o código conhecido como  alfabeto. Este código será o átomo, que por sua vez cada elemento da tabela periódica será uma letra do alfabeto. E assim percebemos um elemento crucial do que une o Universo e todos os seus elementos. Parte deste principio de escalas, sabemos também que desde a formação inicial do Big-Bang, os átomos criados são os mesmo de hoje, um átomo não nasce nem morre. “Cada átomo que possuímos já passou com certeza por variadíssimas estrelas e foi parte de milhões de organismos pelo caminho, até se tornar parte de nós. Todos nós somos tão atomicamente numerosos, e tão vigorosamente reciclados no momento da nossa morte, que uma parte significativa dos nossos átomos – até cerca de mil milhões para cada um de nós, como já houve quem sugerisse – provavelmente já terá pertencido a Shakespeare. Outros mil milhões pertenceram a Buda, e outros a Genghis Khan, e outros a Beethoven, ou a qualquer outra figura histórica que o leitor escolher“.

 

    Neste sentido, considerada especificamente a durabilidade atómica, temos admitido que a matéria e o Homem são produto de uma mesma essência. Sendo que as diferenças existem – e essas visíveis ‘a olho nu’ – o facto prende-se com características próprias do ‘mecanismo da formação’, isto é, como observado na escala sub-atómica da matéria, são as forças electro-dinâmicas actuantes que mantém a solidez da matéria, ou seja, os átomos nos seus respectivos lugares. Estas forças traduzem-se em energia. Einstein chegou á conclusão de que toda a matéria é energia, mostrando ao mundo segundo a formula E=mc², segundo a qual, a matéria e a energia são realmente diferentes formas da mesma coisa, a matéria pode ser convertida em energia, e a energia em matéria dependendo da forma de como determinadas energias se agrupam originar-se-ão diferentes tipos de matéria. Com base em observações na disciplina da química, e mais particularmente na tabela periódica, onde se encontram os cerca de 96 elementos químicos conhecidos, é possível reconhecer mais uma vez, a efectiva ligação entre a escala atómica da matéria e a composição geral de todas as coisas. Para percebermos como chegamos a este estado de conhecimento, temos de nos remeter brevemente ao momento inicial do big-bang, mais precisamente a cerca de cem segundos após o big-bang: “A temperatura deve ter baixado para mil milhões de graus que é a temperatura no interior das estrelas mais quentes. A esta temperatura, os protões e os neutrões já não teriam energia suficiente para escapar à acção da força nuclear forte e teriam começado a combinar-se uns com os outros para produzir os núcleos de átomos de deutério (hidrogénio pesado), que contêm um protão e um neutrão. Os núcleos do deutério ter-se-iam combinado com mais protões e neutrões para formar núcleos de hélio, que contêm dois protões e dois neutrões, além de pequenas quantidades de dois elementos mais pesados, o lítio e o berílio. Pode imaginar-se que no modelo quente do big bang cerca de um quarto dos protões e dos neutrões se teria convertido em núcleos de hélio, juntamente com uma pequena quantidade de hidrogénio pesado e outros elementos. Os neutrões que restaram decairiam em protões, que são os núcleos dos átomos de hidrogénio vulgares.”

 

    Porque a sua constituição é feita apenas por um átomo, o elemento químico mais básico e também o mais comum no Universo, é o hidrogénio. Se a este mesmo lhe adicionar-mos outro átomo obtém-se o Oxigénio (e por ai sucessivamente). Estas combinações dos elementos estão presentes na chamada Tabela periódica. Esta tabela foi “… uma medida fundamental para introduzir alguma ordem nas coisas, ao estipular que os elementos fossem designados por abreviaturas baseadas nos respectivos nomes em grego ou latim, razão pela qual o fósforo é P (do latim phosphorum) e a prata é Ag (do latim argentum). O facto de muitas outras abreviaturas corresponderem aos nomes comuns (N de nitrogénio, O de oxigénio, H de hidrogénio, etc.) deve-se à origem latina de grande parte das línguas do mundo ocidental. “A vida pode ser muitas coisas, mas do ponto de vista químico, é curiosamente simples: carbono, hidrogénio, oxigénio e azoto, um pouco de cálcio, de enxofre, e entre outros elementos. A única característica especial dos átomos que o constituem a si, é o facto de o constituírem a si. E nisso consiste o milagre da vida. Quer formem ou não vida em qualquer outro lugar do universo, é inegável que formam muitas outras coisas; melhor dizendo, formam tudo o resto que existe. Sem eles não haveria água, as rochas, estrelas ou planetas, nuvens gasosas distantes ou nebulosas a girar, ou qualquer outra das coisas que fazem do universo uma matéria tão rica.”

 

    Uma curiosidade deste código de elementos e das suas combinações, “O oxigénio e o hidrogénio, por exemplo, são dois dos elementos mais combustíveis que existem, mas se juntarmos os dois obtemos um dos elementos mais incombustíveis: a água.”

 

    Traduzindo estes conhecimentos para o nosso quotidiano, significa entender que na sua constituição elementar, somos todos feitos do mesmo, mas cada um com as suas diferentes energias. O nosso corpo, a matéria, as estrelas e o universo. Todo o nosso ambiente reflecte esse equilíbrio, e como arquitectos não podemos negligenciar essas relações, do corpo e espirito com a matéria e o ambiente, o que nos rodeia, as nossas capacidades sociais, e a necessidade de habitar.

 

    “Usamos a palavra “habitar” para nos referirmos às relações entre o homem e o lugar. Para entender melhor o que esta ultima palavra significa, vale a pena retomar a distinção entre “espaço” e “carácter”. Quando o homem habita, está simultaneamente localizado no espaço e exposto a um determinado carácter ambiental. Denominarei de “orientação” e “identificação” as duas funções psicológicas implicadas nessa condição. Para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se, de saber onde está. Mas ele também tem de identificar-se com o ambiente, isto é, tem de saber como está em determinado lugar.”

 

     Esta relação do habitar, desde muito cedo esteve dependente do ambiente e do lugar, das matérias disponíveis, dos conhecimentos atingidos, e da necessidade de viver em paz e de acordo com o ambiente. A necessidade de protecção e conforto foi permitida por um trabalho artesanal intricado das matérias numa construção para albergar o nosso corpo e espirito. “O mundo em que vivemos é composto por materiais, não da terra que foi a predecessora imediata da presente, mas da terra que, ascendendo da presente, consideramos como terceira, e a qual precedeu a terra que estava acima da superfície do mar quando a nossa terra ainda estava debaixo da água do oceano.”

 

    Sabemos através de descobertas , os efeitos de certos da natureza quem em contacto nos são benéficos e também prejudiciais, “Marie Curie descobriu que certas rochas emitiam permanentemente extraordinárias quantidades de energia, sem contudo diminuírem de tamanho ou se alterarem de forma perceptível. O que ela e o marido não podiam saber – e que ninguém podia saber, até Einstein o explicar na década Seguinte – era que essas rochas estavam a converter massa em energia de uma maneira incrivelmente eficaz. Marie Curie chamou ao fenómeno “radioactividade”.

 

      Este fenómeno permite-nos perceber a presença física dos materiais, a percepção da sua massa, como se nos atingisse os sentidos, “Existe um efeito recíproco entre as pessoas e as coisas. E é com isto que me identifico como arquitecto. E é isto a minha paixão. Existe uma magia do real. No entanto, conheço bem a magia dos pensamentos. E a paixão dos pensamentos belos. Mas aqui estou a falar daquilo que muitas vezes acho ainda mais incrível: a magia do verdadeiro e do real.”

 

      Esta presença fisica é a presença da arquitectura, a sua matéria, como nos atinge pela sua natureza material, “Para a execução do Pavilhão da Suíça em Hanôver utilizámos muita, muita madeira, muitas vigas de madeira. E quando havia calor estava fresco neste Pavilhão como numa floresta, e quando fazia frio, havia mais calor lá dentro do que lá fora, mesmo não estando fechado O facto de que os materiais retiram mais ou menos do nosso calor corporal é conhecido. Historias de como o aço é frio e por isso retira o calor. Mas ao falar disto, ocorre-me a palavra temperar. E semelhante a temperar pianos, ou seja encontrar o ambiente certo. No sentido literal e figurativo. Quer dizer que esta temperatura é física e provavelmente também psíquica. O que vejo, o que sinto e o que toco … mesmo com os pés.”

 

    Esta relação energética provocada pela matéria e pelo ambiente por si gerado provoca uma reacção também por sua vez física e psíquica. Este fenómeno da matéria permite abrir o campo de estudo de como o arquitecto estuda, trabalha e aplica os materiais, e em que sentido trabalha essa aplicação, qual a sua influência no corpo, nos nossos sentidos e na nossa psyche. De que modo um arquitecto pode servir o ser humano na criação do seu ambiente, provocando um maior prazer no sentido de estar vivo, de experiênciar e sentir. No pós segunda grande guerra, alguns arquitectos, sociólogos, psicólogos, filósofos, tentara procurar a relação cósmica do homem com o seu todo no universo e na natureza, a ascensão rápida da era atómica e da era espacial permitiu um elevado ritmo de consciencialização da nossa posição no cosmos, surgindo assim novos caminhos para o estudo do relação com o material já não só apenas do visivel e tocável, mas também do invisível e do intocável. “According to Heinrich Wölfflin, who would become the best-known architectural form psychologist, the viewer’s feelings enter the object as a projection of bodily identification. He described how, in relation to the “architectural body”, “the effect of yielding to an oppressive weight is sometimes so powerful that we imagine that the forms affected are actually suffering.”

 

    O conceito de corporealidade na arquitectura tomou então um novo sentido, cada vez mais directamente não só ligado ao ambiente, mas sim á matéria em si mesma, “Wundt, for example, maintained that the operations of the body were the empirical and material phenomena that allowed the outside world to be present in the mind. For Wundt, the body was an instrument permitting consciousness through the increasing abstraction of sensory phenomena.”

 

    As relações da matéria assumem então uma influência muito grande no nosso Ser, que vive e experiência, quer pela aplicação prática dos materiais, quer no seu trabalho e aplicação espacial, na sua influência directa de agir nos nossos sentidos, directamente e psicologicamente através da nossa reacção química e eléctrica com os materiais, através dos órgãos sensoriais e dos sentidos hápticos, revelando assim a sua fenomenologia material. Em física, matéria (vem do latim materia, substância física) é qualquer coisa que possui massa, ocupa lugar no espaço (física) e está sujeita a inércia. A matéria é aquilo que existe, aquilo que forma as coisas e que pode ser observado como tal; é sempre constituída de partículas elementares com massa não-nula (como os átomos, e em escala menor, os prótons, nêutrons e elétrons). De acordo com as descobertas da física do século XX, também pode-se definir matéria como energia vibrando em baixa frequência. A concepção de matéria em oposição a energia, que perdurava na Física desde a Idade Média, perdeu um pouco do sentido com a descoberta (anunciada em teoria por Albert Einstein) de que a matéria era uma forma de energia. Podem existir três estados de agregação da matéria, que variam conforme a temperatura e a pressão as quais se submete um corpo: o estado sólido, que é quando as partículas elementares se encontram fortemente ligadas, e o corpo possui tanto forma quanto volume definidos; o estado líquido, no qual as partículas elementares estão unidas mais fracamente do que no estado sólido, e no qual o corpo possui apenas volume definido; e o estado gasoso, no qual as partículas elementares encontram-se fracamente ligadas, não tendo o corpo nem forma nem volume definidos. Na filosofia (humanas), a matéria é objecto de estudos da ontologia, a disciplina que se preocupa em responder basicamente à pergunta: “Que existe?” A matéria é definida em alguns sistemas filosóficos como manifestação da realidade, em oposição à idéia.

 

Francisco c.p. Vasconcelos em Tokyo, 2009

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